Aprendendo ter uma vida com Jesus Cristo.
51-Construindo
uma Vida Duradoura
O Pregador acabou de pregar seu Sermão, e seu convite à ação, já
começado, está agora concluído. O caminho bifurcou-se continuamente, ao longo
do discurso: dois tipos de justiça, dois tipos de tesouro, uma estrada larga ou
uma estreita, hipocrisia ou simplicidade, este mundo ou o próximo, nossa
vontade ou a de Deus. A escolha foi clara e fortemente delineada.
Não é parecer bom, ou mostrar-se piedoso, ou fazer "algo
maravilhoso" em nome de Jesus que leva alguém ao reino de Deus. É
obediência. Obediência como expressão de absoluta confiança. Em seu apelo
conclusivo, o Senhor já pintou dois quadros para ilustrar este fato. Ele agora
dá a seus ouvintes o terceiro e último.
"Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica,
será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e
caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto
contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo
aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica, será comparado a um
homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva,
transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela
casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína" (Mateus 7:24-27).
Os Dois Construtores. Nestes versículos, o Senhor
apresenta-nos dois construtores. Podemos descobrir a diferença entre eles
observando as similari-dades. Ambos tinham o mesmo desejo: construir uma casa,
um lugar para viver, um lugar de abrigo e segurança. Ambos construíram sua casa
e, se as duas eram diferentes, não é mencionado. Ambas as casas foram postas à
prova pela mesma tempestade. Por fim, a única diferença discernível nestes dois
construtores e suas casas é o alicerce sobre o qual escolheram construir: um,
sobre a rocha, o outro, sobre a areia. E, antes do dilúvio cair, ambos os
homens pareciam ter tido sucesso admirável.
A história sugere que, qualquer que seja a casa, todos os homens estão
procurando construí-la. Poderia ser chamado "sucesso",
"felicidade," "paz de espírito" ou "realização".
Ela representa as aspirações comuns do coração humano, aspirações que não são
necessariamente erradas em si mesmas, mas uma parte da maneira como Deus nos
fez. ". . . pôs a eternidade no coração do homem" (Eclesiastes 3:11).
Os diferentes fundamentos representam o modo pelo qual
tentamos realizar nosso desejo de felicidade. Quanto à opinião do Filho de
Deus, há somente dois fundamentos sobre os quais podemos repousar nossas
aspirações para a máxima realização: submetendo-nos a sua vontade, ou
rebelando-nos contra ela. A primeira casa permanecerá, a segunda cairá.
Os Dois Fundamentos. O construtor prudente levou tempo para
escavar um apoio sólido (Lucas 6:48). Foi trabalhoso e tomou tempo, mas sua
casa e todo o seu esforço, até mesmo sua própria vida, estavam em jogo. Ele
pensou no futuro e considerou mais do que os céus ensolarados do presente. Foi
para a tempestade inevitável que ele construiu.
O insensato construiu para o momento presente, sem ser previdente. Tudo
o que pudesse ser feito com pouco esforço e conseguir resultados rápidos o
atraíam. Ele supôs que, como as coisas eram, assim sempre seriam. A idéia de
que sua casa pudesse ser severamente posta à prova parece que nunca entrou em
sua cabeça. Ele, sem dúvida, tinha levantado e mobiliado sua casa antes que seu
vizinho lutador sequer tivesse concluído seu fundamento.
Construindo Antes da Tempestade. É importante perceber que, na história
de nosso Senhor, há um tempo quando quaisquer diferenças entre estes dois
construtores serão difíceis de ver. Ambos parecerão ter tido bom êxito, com as
casas firmemente estáveis, em pé. De fato, o insensato, tendo-se poupado tantas
durezas, pode parecer mesmo ter levado a melhor. E é no meio deste tempo, antes
da tempestade, que temos que decidir como construir nossas casas espirituais.
Certamente, será bastante fácil ver a diferença depois da tempestade, mas aí
será tarde demais para adiantar alguma coisa. É agora, no sossego antes do
cataclisma, que temos que agir pela fé. Temos
que nos preparar para o dilúvio antes de chuva. Temos que fugir de Sodoma antes
mesmo do primeiro sinal de tempestade de fogo.
Para o olhar distraído, a diferença prática entre os filhos de Deus e os
filhos deste mundo será difícil de ver. Ambos sofrerão problemas, conhecerão
decepções, cairão doentes e morrerão. Por esta razão, as pessoas de mente
leviana sempre lutarão para ver a distinção entre a verdadeira justiça e a
hipocrisia farisaica, entre a estrada estreita e a larga, entre o verdadeiro profeta
e o zeloso impostor. Esta é a razão pela qual uma atitude de humildade e
honestidade é tão vital para aqueles que querem sobreviver à tempestade do
divino julgamento. Temos que ter a mansidão de espírito que nos capacitará a
ver-nos a nós mesmos como somos, e o Filho de Deus, como ele é.
Está chegando o dia quando as diferenças que tendem a escapar à atenção
daquele que não pensa serão claramente evidentes. Falando desse dia de ajuste
de contas, em sua explicação da Parábola do Joio, Jesus promete que "Então
os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai" (Mateus 13:43).
Mesmo o mais cego dos homens verá, então, a diferença. Precisamos dos olhos
para vê-la agora e, conseqüentemente, acertar nossas vidas.
52. A Rocha Inabalável
Em suas derradeiras palavras (Mateus 7:24-27), com uma notável ausência
de qualquer coisa pomposa ou adornada (isso não teria servido ao estilo do
Mestre ou do seu Sermão), Jesus insiste com seus ouvintes para que considerem
ponderadamente as conseqüências da resposta que escolherem dar-lhe. Indiferença
e neutralidade não são uma opção. Todos os homens construirão. A única questão
que fica é: onde? Ele confronta o ouvinte diretamente, não deixando nenhum
espaço para manobra. Submeter-se-ão eles a sua vontade e farão o que ele diz ou
não? A escolha é deles, mas é uma escolha radical, com repercussões radicais.
O assunto, através do Sermão, foi a obediência. A voz que fala não é
simplesmente a voz da verdade e da sabedoria, mas a voz da autoridade e do
poder. A submissão tem que ser tanto ampla como profunda, tão ampla como seu
menor mandamento (Mateus 5:19-48) e tão profunda como nossos mais íntimos
pensamentos (6:1-34).
E a quem estas palavras são especialmente dirigidas? Não aos ateus e aos
publicanos, pois eles quase não receberam atenção neste grande discurso. O
"pois" com o qual Jesus inicia este último ponto de seu Sermão nos
diz que ele está tirando uma conclusão do que acabou de dizer sobre os
pseudo-profetas e os falsos mestres (7:15-23). Estas palavras, como na verdade
todo o Sermão, são dirigidas àqueles que fazem uma simulação do discipulado.
Elas confrontam esta religiosidade superficial oferecida como um substituto
para a obediência que estava então atormentando a nação de Israel, e está
fazendo devastação em nosso tempo. O "homem prudente" não é o homem
que ouve estas palavras e as compreende, nem mesmo o homem que ouve e crê no
Filho de Deus. As pessoas, a quem o Senhor estava se dirigindo, já tinham
ouvido e "crido", e até certo ponto, entendido, mas a questão em
torno da qual tudo girava era se eles tinham obedecido. Não há nada que este
Sermão ataque profundamente mais do que a constante citação de João 3:16,
daqueles que diligentemente evitam o estudo e a prática da própria palavra
daquele em quem professam crer. É uma zombaria!
Naturalmente, o fato que este Sermão e estas palavras em particular, são
dirigidos especialmente aos falsos discípulos, não significa que elas não têm
aplicação àqueles que não fazem o menor fingimento de seguir a Jesus. Seja um
simulador ou um salafrário, as conseqüências da rebelião são as mesmas. Areia é
areia.
A Rocha Inabalável. O homem prudente, disse Jesus, é o
homem que ouve a palavra do céu e a atende, sem perguntas, sem desculpas. Por
causa de uma fé obediente, seu relacionamento com o Pai e o Filho é tão
inabalável como uma enorme jazida de pedra (Grego petra) numa
tempestade. O Filho de Deus deu a mesma segurança em Jerusalém, no mês de
dezembro, antes que ele morresse, quando ele disse de suas "ovelhas"
que "me seguem" e "ouvem a minha voz" que "ninguém as
arrebatará da minha mão" (João 10:27-29). Paulo repetiu Jesus quando ele
assegurou aos romanos que, quanto aos que amam o Senhor e são chamados de
acordo com seu propósito, nada os separará "do amor de
Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Romanos 8:38-39). É a
"obediência da fé" (Romanos 1:5; 16:26), como um vivo e constante
princípio de vida que nos une ao Salvador dos homens, numa união inquebrável.
Conforme Isaías prometeu, o Senhor Deus lançou seu fundamento em Sião, uma
"pedra preciosa, angular, solidamente assentada" e "aquele que
nela crê não será confundido" (Isaías 28:16; Romanos 9:33).
É importante lembrar-nos de novo, neste ponto, que Jesus não está
lidando aqui com a base de nossa salvação (graça), mas com a natureza da fé que
responde a ele. Tiago está apenas repetindo o Sermão da Montanha quando ele nos
adverte para que sejamos "praticantes da palavra, e não somente
ouvintes" (1:22) e declara que a "fé, se não tiver obras, por si só
está morta . . ." (2:17-26). Por que agir como se Tiago fosse um inovador,
aqui? Foi Jesus quem primeiro pregou este princípio e ele o fez no
"evangelho do reino" (Mateus 4:23). Esta verdade básica precisa
desesperadamente ser levada a sério. Aqueles que se tornaram tão fascinados com
a salvação pela graça que esvaziaram a fé de todo conteúdo,
precisam perceber que estão brincando, não com a inconveniência, mas com a
destruição. Há abundância de misericórdia para cada alma que se submete ao
domínio de Cristo de todo o coração: Seu coração se partirá e voltará a Deus a
cada transgressão; mas não haverá nenhuma compaixão para aqueles que,
orgulhosamente, determinarem que a graça tornou os mandamentos do Senhor do
reino sem nenhum efeito.
53. Rocha ou Areia?
Jesus chamou para obediência à sua Palavra, que é tanto profunda como
abrangente, mas isso não é um convite à justificação pelas obras de justiça.
Ele insiste para que os cidadãos do reino procurem a perfeição do amor sem
egoísmo do Pai deles (Mateus 5:43-48), mas diz francamente que eles ainda
precisarão se arrependerem de seus erros (5:23) e procurar a misericórdia
(5:7). Na ocasião de sua morte, quando Jesus recomenda os Doze ao seu Pai, como
homens que guardaram "tua palavra" (João 17:6), ele não está dizendo
que eles ficaram sem pecado desde que se tornaram seus discípulos (a história
deles prova o contrário), mas que sua dedicação a ele foi autêntica e sua
penitente tristeza por seus pecados pura.
Aqueles que constroem suas vidas sobre "a rocha" estão dizendo
duas coisas: que estão determinados a manter a palavra de Cristo a todo o
custo, e que estão confiando em seu sangue redentor para a misericórdia por
seus fracassos. A obediência, no reino do céu, nunca foi um meio de
justificação do pecado, mas um modo de exprimir fé (Tiago 2:14-26) e amor (João
14:15,21,23; 15:10,14). Se há algum outro modo de demonstrar estas duas
indispensáveis qualidades da vida do reino, ele é desconhecido pela Escritura.
A despeito da clareza da escolha que o Senhor pôs diante dos seus
ouvintes, há sempre aqueles que querem construir sobre a areia e chamá-la de
rocha. Eles estão à procura de soluções rápidas e fáceis para seus problemas e
um caminho fácil para a justiça e a paz. São tais mentes que tendem a voltar as
igrejas do Senhor para uma mensagem mais popular e aceitável, uma que apara as
arestas duras das exigências do evangelho e põe no seu lugar remédios
psicológicos que não machucam, e não têm força. Em vez de um chamado penetrante
para um coração renascido, só há intermináveis falatórios sobre "atitudes
mentais positivas", "amor próprio" e "auto-aceitação".
Um sentido de valor próprio e um espírito positivo não são assuntos de pouca
conseqüência, porém não serão conseguidos procurando-se-os por si mesmos. Eles
são o sub-produto natural da penitente procura de Deus e de sua vontade e a
conseqüente certeza de aceitação em sua graça (Atos 10:34; 2 Coríntios 8:12;
Efésios 1:6-7).
A perda do amor próprio vem mais freqüentemente do fracasso em procurar
o Senhor sincera e obedientemente. É duro para uma pessoa olhar-se no olho
quando ela sabe que não está sendo autêntica para com Deus. A verdadeira graça
de Cristo traz submissão e segurança. Graça barata e sem exigência serve só
para enganar o superficial.
É estarrecedor que este grande Sermão, com sua tremenda ênfase em
entender e obedecer aos mandamentos de Deus, não tenha um grande impacto na
mente cristã popular. Talvez a razão para isto repouse na idéia, largamente
aceita, que desde que não estamos sob a lei, mas sob a graça (Romanos 6:14), os
mandamentos de Cristo são meras orientações (graça), enquanto os mandamentos de
Moisés eram estatutos para ser estritamente obedecidos (lei). Que isto é uma
perversão do que disse Paulo torna-se evidente com a admirada pergunta que
segue sua afirmação sobre a graça e a lei: "Havemos de pecar porque não
estamos debaixo da lei e, sim, da graça? De modo nenhum" (6:15). A verdade
é que Deus nunca, desde Adão, emitiu um mandamento que ele não esperasse que
fosse obedecido. Sua vontade surge de sua natureza cheia de graça e justiça e é
"para o nosso perpétuo bem" (Deuteronômio 6:24; 1 João 5:3).
A graça de Deus não é sem lei. O evangelho é simplesmente um sistema de
graça (onde há perdão por transgressões da lei de Deus) em oposição a um sistema de
lei (onde não há nenhum). Não somente a graça não remove as exigências da lei
divina, mas trabalha para atender essas exigências por um sacrifício redentor
(Romanos 8:1-4). Sem a lei de Deus, sua graça ficaria sem significado, uma vez
que a ausência de lei tornaria o pecado impossível (Romanos 4:5) e o perdão
desnecessário.
O homem tem estado sob a lei divina desde Adão, uma lei que se resumia
melhor nos mandamentos para amar a Deus supremamente e ao próximo como a si
mesmo (Mateus 22:35-40). Entretanto, essa lei nunca anulou a justificação pela
fé, uma redenção tornada possível em todas as gerações por causa do que Deus
planejou fazer em Cristo (Hebreus 9:15). O fato que Abel foi justificado pela
fé e mostrou essa fé por uma cuidadosa obediência à lei divina, demonstra que a
salvação pela graça não altera nossa responsabilidade em obedecer a Deus
(Hebreus 11:4). O fato que Noé foi justificado pela fé e manifestou essa fé por
uma escrupulosa submissão aos mandamentos divinos, confirma esta mesma verdade
(Hebreus 11:7). Os casos de Abraão (Hebreus 11:8-9,17-19) e Moisés (11:25-27)
acrescentam mais evidência.
Se, então, a justificação pela fé, em eras passadas, não removeu a necessidade
de obedecer aos mandamentos, conforme dados por Deus, a mesma necessidade tem
que governar na era do evangelho. A graça de Deus em Cristo não nos livra da
necessidade de obedecer ao Senhor, mas nos capacita a obedecer a ele sem medo
de julgamento. E, por este mesmo meio, somos não só perdoados, mas
transformados (Romanos 8:1,29). Esta é a mensagem do Sermão da Montanha. O
Pregador nos deixou entre a rocha e a areia, entre a confiança obediente e a
rejeição infiel, e nos desafiou a escolher.
54. ". . . Sendo Grande a sua
Ruína"
O silêncio profundo que se abateu sobre aquela encosta da
Galiléia, quando Jesus terminou seu notável Sermão, deve ter sido intenso. Suas
palavras tinham sido chocantes e desconcertantes. A sabedoria convencional
tinha sido contestada e as tão antigas tradições rejeitadas. O reino de Deus
não estava para ser revelado em alguma conquista filistina, mas num absoluto
amor a Deus e num altruísta amor ao homem; e o espírito deste amor haveria de
ser visto numa obediência submissa à divina vontade. Nos mais concretos termos
e com radical retidão, o Filho de Deus descreveu o reino do céu como ele
verdadeiramente é, e então desafiou seus ouvintes a recebê-lo. Mateus não nos
diz como os discípulos responderam, mas "estavam as multidões maravilhadas
da sua doutrina" (Mateus 7:28).
As últimas palavras do Senhor são sombrias. Elas falam da extrema ruína,
desastre de indescritíveis proporções, para aqueles que escolhessem rejeitar
suas palavras e o reino de Deus entre os homens. Não há nenhum universalismo
consolador no Sermão da Montanha. Não há salvação para todos, no final. Tanto
quanto este grande discurso fala da extrema paz e felicidade, ela também fala,
muito claramente, e finalmente, da possibilidade da total perda e miséria. É
este aspecto do evangelho do reino que torna sua mensagem tão urgente e tão grave.
O apego que as mentes universalistas sentem por este sermão está além da
explicação. Atentam eles para os grandes ensinamentos éticos do Salvador e
simplesmente ignoram o resto? Nunca, em toda a Bíblia, foram emitidas mais
ominosas advertências de julgamento do que aquelas ditas na agora famosa
encosta da Galiléia. Nem estão elas restritas a um estreito canto da mensagem
do Senhor. A perspectiva da divina rejeição se encaixa através de todo o
Sermão. Para aqueles que se recusam a fazer, de coração, a vontade de seu Pai,
Jesus promete, não meramente a perda de toda a recompensa celestial (Mateus
6:1-2,5,16), mas severo julgamento, julgamento esse que é sem misericórdia
(6:15; 7:1-2). O Senhor descreve o desobediente como viajando na estrada para a
"perdição" (7:13) e em perigo do "inferno de fogo"
(5:22,29-30; 7:19).
É por esta razão que Jesus caracteriza o destino dos rebeldes, sejam
inteiramente mundanos ou hipócritas religiosos, como uma "grande"
ruína e uma "grande" queda (Lucas 6:49; Mateus 7:27). A perda de Deus
não há de ser uma sossegada descida para o inferno, mas uma consciente e
infindável alienação de tudo o que Deus é: amor, compaixão, pureza, santidade,
justiça, verdade, e a acompanhante angústia que um tal horror produz (Mateus
13:41-42,49-50; 25:46). Será o destino escolhidopor aqueles que se
afastam do amor e do caminho de Deus, para passarem a eternidade com toda a
falsidade, hipocrisia, arrogância, egoísmo, concupiscência, ódio e brutalidade
da história humana (1 Coríntios 6:9-10; Gálatas 5:19-21; 2 Tessalonicenses
1:7-9; Apocalipse 14:9-11; 21:8; 22:10-15). A profundidade de tal escuridão
moral, a intensidade de tal fogo espiritual, excedem qualquer descrição. Nessas
trevas, com seu "fogo eterno", ali haverá verdadeiramente "choro
e ranger de dentes" (Mateus 25:30,41).
É preciso ser afirmado, a despeito destas palavras sombrias de
advertência, que o ponto total da obra e da pregação do Senhor era para
libertar os homens de tal indizível destino? Se sua pregação, às vezes, parece
abrupta, é somente para despertar-nos das rotinas religiosas insensatas,
através das quais seguimos nosso caminho como sonâmbulos. Jesus chama-nos a um
relacionamento vital com seu Pai. É um relacionamento que nos faz
verdadeiramente vivos, permeando o pensamento e a ação, transformando o caráter
e a personalidade, fazendo-nos, além de qualquer dúvida, os filhos do Deus vivo.
A grandeza do amor de Deus deveria ser causa suficiente para nos trazer,
em alegre submissão, ao seu justo e gracioso domínio, mas a realidade de nossa
natureza é que, freqüentemente, nada, salvo o trovão do julgamento divino, pode
abrir nossos ouvidos à sua voz. E é com isto em mente que aquele que nos amou
mais que tudo encerra o Sermão, no qual mais do que qualquer outro ele abre aos
olhos humanos os maravilhosos caminhos do céu.
55. Jamais Alguém Falou Como Este Homem
"Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as
multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem
autoridade, e não como os escribas" (Mateus 7:28-29). Mateus não relata a
resposta dos discípulos ao Sermão de Jesus, mas as "multidões"
curiosas, ele diz, estavam maravilhadas. E esta não seria a única vez em que os
ouvintes do Senhor seriam petrificados, surpreendidos pelo inesperado conteúdo
e maneira de suas palavras. Mais tarde, alguns soldados judeus, enviados para
prendê-lo, cometeriam o erro de parar para ouvir, e então voltariam admirados e
de mãos vazias para seus superiores incré-dulos, sem melhor explicação para seu
fracasso do que "jamais alguém falou como este homem" (João 7:46).
Não há nada de misterioso em tudo isto; nem estranha manipulação da
mente, nem encantamentos, nem transes. É simplesmente o efeito que ouvir a voz
de Deus produz nos corações humanos. Jesus parecia, por todos os modos, ser tão
normal, tão usual, um operário comum dos fundões religiosos da Galiléia,
totalmente sem instrução formal e ambiente. Este fato, freqüentemente, tornou
suas extraordinárias palavras incríveis para seus ouvintes (Marcos 6:2-3; João
6:15), que pareciam relutantes em aceitar seu testemunho de que seus
ensinamentos procediam de seu Pai (João 7:16-17). Suas palavras não foram
acompanhadas pelo tipo de flamejante demonstração que sacudia o cume do Sinai,
derretia e levava ao terror os corações de Israel (Hebreus 12:18-24). Era
apenas um homem falando. Entretanto, ele estava falando a absoluta, a
inequívoca verdade; não simplesmente como alguém que a tivesse aprendido, mas
alguém que a havia experimentado, como alguém que, afinal, era idêntico a ela
(João 1:18; 14:6). Este fato sozinho estava destinado a dar uma qualidade
especial e compulsiva às palavras de Jesus. Ele os ensinava "como quem tem
autoridade", como alguém que sabia sobre o que estava falando.
Os geralmente insensatos escribas, não sendo reais estudantes da própria
lei e com pouco pensamento original, gastavam os seus dias estudando e
comparando o que os rabis antigos e influentes haviam dito sobre a
lei. Eles penduravam seus argumentos em infindáveis cordões de citações
rabínicas e fantasiosas interpretações. Em contraste com as fracas especulações
dos escribas, que tinham em volta deles o som metálico da confusão humana, a
pregação de Jesus ressoava com o tom profundo da verdade confiante. Estava
repleta de citações do Velho Testamento ("está escrito") e simples
declarações de fato ("em verdade vos digo"). E, se os escribas
citavam as interpretações dos antigos rabis com facilidade, Jesus ainda mais
facilmente os contradizia. É inevitável que a voz de Deus soe como a voz de
Deus, e a voz do homem como a voz do homem. Até mesmo as multidões, às vezes
insensíveis, que ouviam o extraordinário Sermão do Senhor, podiam perceber a
diferença, e isso os espantava.
As palavras de Jesus e de todos os profetas a quem Deus mandou falar aos
homens terão sempre consigo a marca de sua origem. Sua força é o poder da
divina sabedoria e verdade, e todos os homens são destinados a sentir sua
influência, mesmo quando eles escolhem rejeitar estas palavras. "A palavra
de Deus é viva e eficaz . . . apta para discernir os pensamentos e propósitos
do coração" (Hebreus 4:12).
À extraordinária natureza de suas palavras, como fonte de diferença e
surpresa, tem certamente que ser adicionado o profundo amor de Jesus e cuidado
por seus ouvintes. Enquanto os escribas lutavam meramente com palavras e
argumentos, o grande Mestre, em seu ensinamento, buscava as pessoas. Muito
freqüentemente os líderes religiosos de Israel viam o povo como algo a ser
manipulado e usado. Deve ter ficado aparente que o Filho de Deus tinha vindo
para transformar, antes que manipular, para abençoar, antes que usar.
As palavras de Jesus foram sempre desafiadoras e penetrantes, mas eram
refrescantes, também. E assim é como deveríamos ter esperado. Pois nunca na
história humana, antes ou depois, foi a voz de Deus ouvida no mundo com tal
absoluta plenitude de verdade e com tal demonstração de sua viva realidade, na
carne de um homem. Nós, também, temos que confessar em admiração que "jamais
alguém falou como este homem".
56. Além do Sermão: O Pregador
Finalmente, não estamos tão confrontados com a compulsiva e desafiadora
mensagem deste grande Sermão como estamos com a pessoa do próprio Pregador. A
questão principal, com a qual ela nos deixa, não é "O que você pensa deste
Sermão?" mas "O que você pensa deste Mestre?".
Não há, talvez, nenhuma abordagem mais cega do Sermão da Montanha do que
aquela do racionalismo religioso, que vê nele os ensinamentos morais e
espirituais do "real" Jesus, antes que sua história ficasse coberta
de posteriores reivindicações sobrenaturais. Eles, portanto, têm abraçado o
Sermão como um tremendo avanço em ciência ética, conseguido por um Cristo
puramente humano. Como tal, ele contém, para eles, sábio conselho, porém não a
palavra de Deus. É estranho que homens, geralmente tão brilhantes, possam ter
feito uma tal análise, patentemente falsa. A verdade é que nenhum ensinamento
nos Evangelhos apresenta um tal quadro compulsivo do divino Cristo como o faz
este memorável discurso galileu.
Os primeiros ouvintes foram tocados pelo extraordinário ar de autoridade
do Mestre. Ele era tão diferente dos escribas especuladores deles! Ele não
teorizava nem hesitava. Ele não era nem tentativo nem justificativo, mas com
calma segurança lançou o fundamento de um reino celestial. Não era só estilo,
mas substância, e havia todas as razões para que ele falasse com autoridade.
Ele era o Cristo, o tão prometido Messias, que estava destinado a
cumprir o eterno propósito de Deus. Jesus não diz, meramente, que cada
"jota e til" da lei e dos profetas seria cumprido, afirmando a divina
origem das Escrituras do Velho Testamento, mas que ele tinha
vindo para cumpri-los (Mateus 5:17-18). Este Pregador proclama ser a consumação
dos tempos! Ele se vê como o Alfa e o Ômega, o fim bem como o começo.
Ele era o Senhor e por fim haveria de ser o Juiz. Este pregador
reivindica não somente ensinar aos homens a eterna verdade, mas ser o
governador divinamente empossado de seu destino. Ele claramente se retrata como
aquele que se levantará no fim da história e presidirá sobre a disposição das
almas de todos (7:21-23). É a Jesus que eles têm que prestar a derradeira
conta. Que enorme reivindicação de divindade é esta! E a reivindicação é
aumentada pela afirmação conclusiva do Senhor sobre a base deste julgamento
final. Tudo girará em torno da resposta de cada pessoa a sua palavra
(7:24-27). Os ensinamentos deste Pregador não são conselhos prudentes para
alguma temporada passageira, mas são válidos para todo o tempo. Eles nos
encontrarão na eternidade. Ele claramente pretende que entendamos isso.
Então, em vista disto, não é de admirar que ele pudesse simplesmente
dizer, "Em verdade vos digo" e fazer com que soe totalmente certo.
Aqueles primeiros ouvintes estavam abismados; eles estavam boquiabertos. E
mesmo depois de 1900 anos, estamos abismados também!
Então, como certamente temos aprendido, o Sermão, de fato, é grande. A
marca da eterna verdade está sobre ele. Mas, apesar de toda a sua grandeza, o
Pregador eleva-se acima do seu Sermão. Ele é o Senhor Cristo, o Filho de Deus,
e está destinado a ser o Juiz de todos. Se rejeitarmos este ensinamento e este
Mestre, isso faremos por nosso próprio risco eterno. Todo o céu está na
mensagem e no Homem.
Entretanto, apesar de todo o seu imenso poder e os assuntos
importantíssimos que estão em jogo, tanto para Deus como para o homem, o Sermão
não termina com uma ordem imperativa, mas com um insistente convite. Jesus
proclamou o reino que é totalmente estranho aos caminhos deste mundo e
destinado a sempre ser assim. Ele proferiu um chamado à revolução espiritual, a
revolução do mais extenso e profundo tipo, que não deixa nenhuma parte do
coração humano intocado e sem transformação. É um alto chamado, mas radical, e
cada um de nós tem que decidir por nós mesmos como responderemos a este
extraordinário convite. E, mais sério do que tudo, teremos então que suportar
por toda a eternidade as transcendentes conseqüências desta decisão. Como o
Pregador freqüentemente disse, "Quem tem ouvidos, ouça."