Isaías 11.1-9 Estudando para aprender
1.
Introdução
Quero
iniciar fazendo uma apreciação subjetiva e dizer que o texto em foco tem, a meu
ver, uma construção literária bonita. As imagens são riquíssimas: um toco, um
broto e uma raiz falam por si. E o que dizer de uma vara que concretiza o
sentido das palavras que saem da boca? Ou do sopro de lábios que mata
perversos? E o que dizer da imagem do cinto bem afivelado, comparado à justiça?
Certamente é bem diferente da comparação da justiça com pura conversa. Lobos e
ovelhas, leopardos e cabritinhos, bezerros e leões, vacas e ursas, filhotes de
vacas e ursas juntos, leões e bois, criancinhas e cobras, crianças guiando,
filhotes pastando, criança enfiando a mão em toca, águas enchendo o mar. São
muitas tentativas de encontrar um recurso para mostrar um futuro não
perceptível a “olho nu”, isto é, a partir do que se costuma enxergar no dia a dia.
Num primeiro instante, aparecem imagens isoladas. Depois vêm as imagens
relacionadas entre si, que, pelo que se costuma experimentar, não combinam:
leopardos e cabritinhos? Bezerros e leões?... A “olho nu”, sem chance!
2.
Exegese e meditação
Se o
jeito de dizer as coisas, aliás, as mesmas coisas, aqui no capítulo 11 (v. 1 a
9) assemelha-se a 9.1-6, o tempo do verbo aqui muda. No capítulo 9, o tempo é
presente. Agora é futuro. Agora é promessa. Lá em 9.2: “O povo que andava nas
trevas viu uma luz”. Além disso, lá dá-se “nome aos bois”. São citadas as
tribos de Zebulom e Naftali e a região entre o Mediterrâneo e a Galileia. Aqui,
no capítulo 1, não se é tão específico. Aqui o “rodo passa geral”. Isaías
11.1-9 não trata de um caso específico, mas aplica uma simbologia geral. Ela
serve para casos de diversas épocas. Então nossa experiência nos dias de hoje
ajuda a suspeitar do seguinte: quando a gente acabou de passar por um caso, a
gente cita esse caso quando fala. Quando, porém, a gente já colecionou uma série
de casos, então a gente generaliza. Por exemplo, se você visitar alguém que
acabou de sofrer uma perda significativa, é provável que o centro da conversa
seja a referida perda. Se, porém, você visitar fora do contexto de uma perda
significativa, o assunto também poderá girar ao redor de perda, mas o enfoque
será mais geral. É o que acontece em nosso texto. Por isso é possível ver nele
uma experiência acumulada. Em outras palavras, se ele acumula a vivência de
mais casos, ele precisou de mais tempo para acumular essa experiência.
Trata-se, pois, de um texto mais tardio na história do povo de Deus.
Resumindo, Isaías 11.1-9 condensa um período em que as experiências
sucederam-se e ensinaram a mesma lição. Qual é essa lição? Vamos resumi-la
assim: está difícil perceber continuidade no desenvolvimento da relação de Deus
com seu povo. Está questionada a ideia de que a história é feita de uma linha
ascendente rumo à felicidade geral. A figura usada no texto para fazer esse
questionamento é o toco que brota. O fenomenal é isto: há uma interrupção. Mas
que interrupção é essa? É uma interrupção que não representa o fim. É uma forma
dialética de garantir o que está em 2 Samuel 7.16: “Você sempre terá
descendentes, e eu farei com que o seu reino dure para sempre. E a sua
descendência real nunca terminará”.
Proponho
uma divisão do texto em cinco partes:
1 – “E
sairá um rompante do cepo de Jessé; um ramo desabrochará de suas raízes. Sobre
ele repousará o espírito de Javé: espírito de sabedoria e entendimento,
espírito de aconselhamento e empoderamento, espírito de reconhecimento e temor
de Deus” (v. 1-2): Esse trecho compõe uma espécie de introdução na qual é
apresentado o “x” da questão: o cepo (tronco, caule, ...) e seu conteúdo, isto
é, o cepo com uma dinâmica, que é o broto, a ramagem. É importante notar que
também aí tem uma simbologia riquíssima, pois algo em si estático ganha uma
dinâmica num fenômeno que inclui um rompante. Algumas traduções falam em
“rebento”, o que pode criar associação com “arrebentar”, isto é, estourar. Em
seguida, vem a tradução da figura para um sentido teológico, que é a
qualificação do sujeito da promessa pelo Espírito de Javé que sobre ele atua:
sabedoria e entendimento, aconselhamento e empoderamento, reconhecimento e
temor de Deus.
De minha
parte, ainda estou muito acostumado com a linguagem da Bíblia traduzida por
Almeida: “O Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e
de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor”. Considero essa
forma de dizê-lo melhor do que a versão da Bíblia na Linguagem de Hoje, que, a
meu ver, tentando formar frases mais arredondadas, camufl a a tipologia do
Espírito: “sabedoria, conhecimento, capacidade e poder. Ele temerá o Senhor,
conhecerá a sua vontade e terá prazer em obedecer-lhe”. Proponho permanecer com
o tripé: 1) sabedoria e entendimento; 2) aconselhamento e empoderamento; 3)
reconhecimento e temor de Deus.
Parece-me
que a palavra empoderamento (ainda não devidamente incorporada
pelos dicionários) alcançou nosso discurso teológico por meio da reflexão sobre
diaconia em âmbito global. A concepção de diaconia em contexto precisa
de uma palavra para traduzir na área da educação aquilo que, na área da
assistência, é chamado de transferência de renda. Ao lado da transformação e da
reconciliação, o empoderamento forma o tripé da ação diaconal e refere-se à
transferência de poder a sujeitos-alvo de processos de inclusão.
2 – “Terá
prazer no temor de Javé. Não julgará segundo a aparência. Não dará a sentença
pelo ouvir dizer. Julgará com justiça os enfraquecidos e pronunciará sentença,
concedendo direito aos pobres da terra” (v. 3-4a): Essa parte nomeia as
consequências práticas do empoderamento a partir da atuação do Espírito de
Javé: ter prazer em seguir o Senhor; julgar sem se basear em aparências;
decidir sem se basear em conversa de terceiros; fazer justiça no julgamento das
causas das pessoas que foram enfraquecidas e defender com justiça o direito dos
necessitados da terra. No mínimo, vejo neste segundo bloco uma tendência à
parcialidade.
3 – “Como
se fossem uma vara, suas palavras vão ferir as pessoas violentas e, com o
fôlego que sairá de seus lábios, matará as perversas. A justiça será o seu
suspensório e a fidelidade o seu cinto” (v. 4b-5): Aqui temos a
caracterização de sua ação: palavra e espírito empoderados e governo com base
em justiça e honestidade. Essa preparação para a missão pode ser aprovada por
todos os movimentos de justiça e não violência, pois não há armas – há o poder
das palavras e o espírito, o fôlego de Deus. No lado oposto, aquelas pessoas
que defendem a pena de morte para as pessoas violentas e perversas
provavelmente vão considerar uma “santa ingenuidade” querer ir para o
enfrentamento com palavras e fôlego. A indumentária, porém, não nos deixa dúvida:
quem entra nesse embate com palavras e fôlego está seguro duas vezes, pelos
ombros e pela cintura, com justiça e fidelidade.
4 – “Então
o lobo habitará com o cordeiro. O leopardo deitará ao lado do bode. Um menino
vai guiar o bezerro, o leãozinho e o novilho gordo. A vaca e a ursa pastarão
juntas, de forma que seus filhotes deitarão um perto do outro; e o leão comerá
palha assim como faz o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da cobra
venenosa e a criança desmamada meterá a mão na cova da serpente” (v. 6-8):
O trecho apresenta-nos figuras utópicas que dão uma ideia da profundidade das
mudanças anunciadas. O conteúdo da promessa já foi apresentado nos versículos
anteriores. Aqui as imagens são como um reforço. As imagens acentuam o que
precisa ser destacado: a promessa é para quem crê; e crer inclui a aposta no
improvável.
5 – “Não
se praticará o mal, e ninguém promoverá destruições em todo o meu santo monte,
pois o reconhecimento de Javé será pleno em toda a terra” (v. 9): Este
último trecho conclusivo descreve um cenário de paz. Não se trata de qualquer
paz, mas daquela que vem em consequência da prática de justiça e do
reconhecimento de Deus, isto é, do ser humano colocar-se no seu devido lugar.
É
possível fazer uma interpretação diferente do ditado “água mole em pedra dura
tanto bate até que fura”. Via de regra, ele é usado para falar em sentido
positivo do fenômeno da persistência como algo que faz vencer
nos processos difíceis. Podemos, no entanto, usá-lo também para dizer que, de
tanto ver a mesma coisa, começa-se a acreditar que é assim mesmo. A mentira
muito repetida torna- -se verdade. Provavelmente, a mentira estava se tornando
verdade no contexto de atuação do profeta. Tanta experiência de derrota e
destruição fazia crer que Deus tinha mesmo abandonado seu povo. Digamos que o
profeta ouvia coisas assim: “Se tu achas que não é assim, mostra-me pelo menos
um sinal de supremacia de nosso povo nos últimos tempos”.
Diante
disso, ele não se pôs a recolher migalhas de pequenas vitórias aqui e acolá,
como seria de se esperar de alguém que quisesse provar a atuação de Deus:
“É, mas também tem coisa boa acontecendo...”. “Não esqueça que Deus também tem te abençoado e tu nem te dás conta disso...”. “Quem sabe Deus está te aplicando um corretivo...”. Frases assim, que nos são conhecidas e têm claramente a intenção de convencer em contexto desfavorável, não estavam na linha de argumentação do profeta. A gente vai procurando uma justificativa plausível. O profeta, porém, não faz isso. Ele não procura resquícios de imagens que possam provar que Deus está, sim, fazendo coisas boas, “só que tu não enxergas”. Ao contrário disso, o profeta recorre a imagens de cenas totalmente improváveis, como se estivesse dizendo: “Olha, meu filho, se tua forma de pensar não inclui espaço para o impossível, para o desconhecido e para a novidade, não iremos adiante”. Não é também isso que nos diz o Novo Testamento? “Ora, a fé é a certeza de cousas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem” (Hb 11.1).
“É, mas também tem coisa boa acontecendo...”. “Não esqueça que Deus também tem te abençoado e tu nem te dás conta disso...”. “Quem sabe Deus está te aplicando um corretivo...”. Frases assim, que nos são conhecidas e têm claramente a intenção de convencer em contexto desfavorável, não estavam na linha de argumentação do profeta. A gente vai procurando uma justificativa plausível. O profeta, porém, não faz isso. Ele não procura resquícios de imagens que possam provar que Deus está, sim, fazendo coisas boas, “só que tu não enxergas”. Ao contrário disso, o profeta recorre a imagens de cenas totalmente improváveis, como se estivesse dizendo: “Olha, meu filho, se tua forma de pensar não inclui espaço para o impossível, para o desconhecido e para a novidade, não iremos adiante”. Não é também isso que nos diz o Novo Testamento? “Ora, a fé é a certeza de cousas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem” (Hb 11.1).
3.
Imagens para a prédica
Hoje
precisamos do dom do Espírito, que, segundo o profeta Isaías, pousará sobre o
rebento do cepo de Jessé. Qual é esse dom?
3.1 –
Sabedoria e entendimento
Tem gente
que sabe muitas coisas e não consegue lidar bem com elas. Tem o dom de fazer e
criar, mas não o de lidar com sua capacidade de fazer e criar. Algumas pessoas,
por exemplo, são artistas, e esse dom não as ajuda na construção de uma vida
estável. Por isso o dom do Espírito inclui sabedoria e entendimento,
entendimento e sabedoria. O sentido completo desse dom espiritual é tê-lo e
saber lidar com ele.
3.2 –
Aconselhamento e empoderamento
O dom do
Espírito que pousará sobre o rebento de Jessé não só inclui o dom espiritual
que ajuda a pessoa a organizar seu próprio mundo interior e a lidar com o que
sabe. Ele também tem essa segunda dimensão do aconselhamento e empoderamento.
Essa dimensão está dirigida à relação com a outra pessoa. Jesus sempre
empoderava as pessoas pobres e sofridas que ajudava. Dava o conselho de tal
forma que o poder da outra pessoa aumentava. “A tua fé te salvou”, dizia ele.
Aquilo que a tradução de Almeida chama de “conselho e fortaleza” é isto: a
capacidade que um testemunho tem de servir de conselho e a capacidade que ele
tem de transferir poder ao público-alvo de uma ação diaconal.
3.3 –
Reconhecimento e temor de Deus
A
terceira dimensão do dom do Espírito, apontada por Isaías 11.1-2, não é nem só
para quem recebe e nem só para as pessoas que se relacionam com quem o recebe.
A terceira dimensão aponta a relação da pessoa que recebeu o dom com Deus.
Assim se completam os três níveis de relacionamento que vêm do dom do Espírito:
relacionar suas capacidades consigo mesmo (com suas emoções, com seu mundo
interior), relacionar sua capacidade com o aconselhamento e empoderamento de
outras pessoas (as beneficiárias, o público-alvo) e, em terceiro lugar,
reconhecer Deus e andar no seu temor. Nessa terceira relação, não se trata de
ter medo do castigo de Deus. Andar no “temor de Deus” é andar sabendo que Deus
está vendo o que é feito. Quem crê nunca está só. A “vantagem” de quem tem fé
sobre quem não tem é que o primeiro está de mãos dadas com Deus e o segundo não
o vê. Diz-se que a ética ou falta dela prova-se no que a pessoa faz quando
ninguém está vendo. Isso é conhecimento e temor de Deus. Quem crê não corre,
pois, o risco da falta de ética.
4.
Subsídios litúrgicos
O hino
“Da cepa brotou a rama”, de Reginaldo Veloso, que consta no nº 310 do hinário
Hinos do Povo de Deus da IECLB, não pode, evidentemente, faltar nesta celebração.
O texto do Evangelho de Lucas 2.1-7 inclui o relato da viagem de José e Maria a
Belém, o que trata de colocar Jesus na linhagem de Davi, “abotoando” a profecia
de Isaías ao evangelho. O texto do evangelho tem “plasticidade”. É de fácil
dramatização, o que pode ser aproveitado como recurso litúrgico. O narrador da
cena pode ser o apóstolo Paulo de Romanos 1.1-7. A palavra “Roma” pode ser
substituída pelo nome da cidade ou localidade onde está ocorrendo a celebração.
O espaço litúrgico pode receber, excepcionalmente, mais uma referência. Essa é
um centro de cenário que representa Belém. Pode ser representado por um caule
brotado colocado perto do púlpito. É para lá que José e Maria se dirigem. E é
lá que está o narrador, que tem como recurso as partes de um banquinho (mocho)
de três pernas. À medida que a pregação vai descrevendo o dom do Espírito,
conforme Isaías 11.1-2 (vide Imagens para a Prédica acima), o banco vai sendo
montado. No fi nal, Maria senta no banco.
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